sábado, 26 de junho de 2010

Soluço

Sonhos... sonhos. Estava farta disso. A cada noite uma traição involuntária e desagradável a sua própria promessa. As imagens em tons desbotados de filme antigo enchiam sua mente com imagens distintas. Cenas eufóricas, felizes, impossíveis se passavam diante de seus olhos com uma realidade brutal e desconcertante. Era um sonho completo e a menininha viveu ele a cada suspiro envolvida pela veracidade de suas ilusões. Ilusões forçadas que ela tentava afastar de si. Imagens soltas passavam diante de seus olhos, arrancando lágrimas indesejadas que escorriam soltas por seu rosto pálido, agora quase translucido. E foi um soluço carregado de lamento que tirou ela desse transe, o travasseiro molhado por horas seguidas de suas lágrimas e seu sofrimento contido.

sábado, 19 de junho de 2010

Craquelado

Ela gostava dos primeiros dias do inverno, quando a árvore mais comprida de seu grande gramado libertava as folhas finas, a essa altura muito secas e quebradissas. Tudo num raio de 10 metros da árvore ficava pintado em vários tons de marrom, e ela, num prazer inocente e verdadeiro pisava nas folhas com calma e precisão, se deliciando com toda a sensação envolvida. O barulho seco e craquelado, a textura do momento era uma coisa fora do real, como se um segundo se transformasse em horas e cada pedacinho de folha se partindo era particularmente especial e único. Um ato quase bobo, um tolice particular e agradável.

domingo, 13 de junho de 2010

Fagulhas

O dia estava congelante, tão frio que seus pés e mãos ardiam judiados pelo vento que varria a pequena clareira forrada de folhas marrons e quebradiças. Já estava escuro apesar de ser cedo e algumas estrelas já apontavam no céu trazendo uma noite prematura. O riacho borbulhava feliz em algum lugar perto dali, um barulho fresco e fluido que dava a noite uma trilha sonora gélida. Levantou do tronco que usava de banco, provavelmente de alguma árvore seca derrubada pelo vento cruel que recentemente não dava trégua, e saiu em busca de gravetos para uma fogueira, a escuridão não permitia que ela fosse muito longe sem se perder, então se orientando pela fraca claridade da clareira, fruto das estrelas e da lua minguante no céu. Depois de algum tempo jah tinha uma boa quantidade de madeira e com auxilio de um esqueiro e uns pedaços de jornal acendeu a fogueira exatamente no centro do lugar. O fogo, laranja vivo, hipnotizou a menininha. As labaredas lambiam a madeira consumindo rapidamente como se estivesse com fome pequenas fagulhas se soltavam e se perdiam no ar junto com a fumaça, era inebriante observar. A menininha se acomodou graciosamente bem perto da fogueira e agarrada as suas pernas cantarolou músicas sem nenhuma ordem lógica, apenas as que vinham em sua mente aleatoriamente. Pensou nas mil coisas que sentia falta, em outras mil que o tempo levou de sua vida, nas perdas dolorosas e nos afastamentos necessários, nos momentos que gostaria de reviver e naqueles que gostaria de esquecer. Pensou nas pessoas, todas elas. E em meio a colicas de saudade acordou de seus devaneios. A fogueira estava reduzida a brasas incandescentes, uma ou outra chama apenas havia conseguido resistir, agarrada em algum graveto. Ela se acomodou encolhida perto das fogueira quase estinta agora, aproveitando seus ultimos suspiros de calor e ali, aconchegada nas folhas se enroscou num sono profundo e tranquilo, pontuado por alguns sonhos já comuns.