quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Terrivelmente bom




Ela acordou ofegando, desesperada por causa de um sonho, um sonho terrível. Não poderia ser um pesadelo, de forma alguma, pois ele era terrivelmente glorioso, tão bom que vagava pelas fronteiras das sensações, ela estava exausta, percebeu lágrimas por seu rosto, provavelmente perdidas durante o sono perturbado, sua nuca e seus joelhos estavam molhadas de suor, causados pelo esforço inconsciente de passar ilesa por tais provações. Em quanto acalmava sua respiração começou a pensar no sonho, em seus detalhes mais banais...
Ela estava chegando em casa com seus pais, vindos de uma festa talvez, não sabia exatamente de onde. O portão da garagem abriu e junto com o carro entrou um homem de aparência horrível e suja, muito mal vestido: um mendigo. Usava um grande casaco marrom por cima de uma blusa de gola alta verde azulada, e uma toca da mesma cor, conservava uma barba suja e uma magresa anormal. Ele abordou a família de forma muito rude pelo vidro do carona, onde a mãe da menininha estava, e logo que falou Ela pôde sentir um cheiro forte de álcool e tabaco que a fez ficar tonta. A tensão era palpável, pegajosa, escorria pelas bordas do sonho e logo seus pais mandaram que ela saisse do carro e se trancasse em casa, pelo jeito aquilo era um pouco mais sério do que realmente parecia. Logo fez o que mandaram, prestou atenção ao sair do carro para que não batesse a porta nas madeiras enpilhadas perto da parede, era incrível como nos sonhos detalhes tão ridiculos se tornam relevantes, mesmo numa situação de terror. Ela saiu rapidamente, agarrando todas as suas coisas espalhadas no banco de traz do carro: uma fita vermelha e um lápis muito flexivel, verde água. Deu a volta no carro rumo ao portão que a levaria para a segurança de sua casa e foi ai que a verdadeira tensão começou, a partir deste momento nada mais importava, ela sabia que alguma coisa aconteceria, sabia que passar por aquele portão seria sua sentença de morte, sabia cm a certeza que só acontece em sonhos, e naqueles mais reais e cruéis. Atravessou o portal e assim que olhou escada a cima, prestando atenção no caminho que faria ela parou, seu corpo não sabia como reagir àquilo, era intenso, era perfeito e muito maligno, era um sonho. Um sorriso involuntário brotou em seu rosto antes que ela pudesse refrea-lo, e ao mesmo tempo tão repentinamente quanto o sorriso uma lágrima, ela avançou alguns degraus, estava a apenas alguns centimetros agora e... e foi ai que ela simplesmente parou de recordar, foi neste exato ponto que a maldade começava, e exatamente ai que ela preferiu mais uma vez se deixar levar para a segurança de sua inconsciência, sabendo que nada mais à afetaria depois desse terrível sonho maravilhoso...

Ilustração: Helô Paschon

domingo, 27 de dezembro de 2009

Nostalgia

O ano estava chegando ao fim, e Ela prometeu a si mesma que mudaria, as coisas não poderiam continuar iguais, era revoltante. Uma nova perspectiva de vida apareceu em seu horizonte e oscilava entre todo sentido do mundo e sentido algum.... nada importava muito, decidiu que faria qualquer coisa considerando que o que realmente queria não era possível... momentos nostálgicos preenchiam seus dias agora. Estava deitada na cama de sua avó, e na posição que estava podia ver sua própria silhueta refletida na madeira polida e antiquada da cabeceira, observou a si mesma por alguns segundos e uma forte sensação de dejavù à atingiu, ela percebeu como aquela situação era familiar, como trazia lembranças, lembranças boas... conversando com sua avó, contando as moedas de um cofrinho secreto, brincando com o rádio relógio gigante e velho, coisas que fazia quando tudo era muito mais simples, era tão fácil se perder em suas lembranças, e elas eram igualmente tão boas que Ela sorriu, sentiu seus músculos do rosto se contraindo com a ação e relaxarem em seguida, uma paz reconfortante acalmava suas angústias desesperadas: as coisas não precisavam ter um sentido, precisavam acontecer, somente... e Ela, mais que nunca estava disposta a fazer isso por si mesma: acontecer.
Chegou em casa, o calor era sufocante e tornava todas as suas reações muito mais lentas, ela se jogou na cama e por horas observou as marcas na sua parede, o armário que a abrigava, as coisas que a definiam, eram lindos...
Cochilou, e uma história de terror assombrou seus sonhos, ela acordou ofegante e tentou se lembrar dos detalhes, eles a assustaram e rapidamente ela tentou esquecer de tudo....estava Feliz, não podia estragar nada disso... estava Feliz.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Derrotada

Lá estava ela mais uma vez, despedaçada, estava virando um hábito e pior, ela estava aprendendo a conviver com ele. Deitada sob a sombra inabalável de uma árvore enorme ela chorou, não conseguia esperar mais nada de nada, nem de si mesma. Estava aliviada por falar o que tinha que ser dito, mas não conseguiu refrear o desespero após constatar que de nada havia adiantado, de que suas esperanças eram falsas, de que tudo não passou de uma ilusão muito dolorosa, muito cruel, devastadora.
Abriu a porta de seu armário, olho pra fora ainda com esperança e uma terrível sensação de perda atingiu a menininha em cheio, a dor implacável obrigou a pequena a voltar pra dentro, e não sair mais de lá, nunca mais. Decidiu, já que nunca teria as coisas do jeito que tanto queria, e não era muito, então ela enlouqueceria... era um opção bastante viável, veria apenas o que queria ver, não pensaria em mais ninguém em mais nada, não esperaria coisa alguma de coisa alguma, tudo seria como ela achava que era certo, sem nada a devolver. Sua cabeça girava, tinha tomado sua decisão, não se contentaria mais com pouco, o que lhe ofereciam já não tinha mais valor, ela queria o que queria e nada mais. Estava derrotada, fato, mas não faria por menos, acabaram-se os sonhos... ela também derrotaria o que quer que entrasse em seu caminho.

Dormir... e talvez sonhar, aí está o problema!

sábado, 5 de dezembro de 2009

De repente

"EU NÃO SEI" ela gritou, estava brava, furiosa, seu rosto branco como porcelana estava marcado por pontos febris, distorcido por uma fúria indescritível. Ela não podia parar, estava no meio do bosque agora, correndo sem perceber onde ia ou que caminho tomava, apenas corria o mais rápido que conseguia e gritava com a escuridão, como se assim a resposta viesse. O bosque estava sombrio demais, frio demais, fios de luz da lua cheia filtrados pela folhagem da copa das árvores formavam sombras macabras e assustadoras e o barulhinho eterno do pequeno riacho pedregoso parecia mais alto que nunca, mas ela estava cega e surda a tudo isso... não conseguia ser racional, queria acreditar na sua verdade, "QUAL O MEU PROBLEMA?", gritou novamente diante de uma árvore imensa e de folhas igualmente grandes já meio douradas pelo clima frio que fazia à algumas semanas. Bruscamente ela parou e com uma sensibilidade incomum percebeu o silêncio que machucava seus ouvidos, ela correu tanto para dentro do bosque que nem o riacho era localizável, eram só trevas, se sentou no chão frio e nú da floresta e encostou sua cabeça num tronco, feliz por estar no escuro, feliz por estar sozinha e em silêncio, achou que só assim poderia ouvir seus pensamentos, descobrir o que realmente queria, o que realmente lhe faltava. Ela sabia que queria coisas impossíveis, que o que esperava não podia ser encontrado em ninguém, ela lutava contra isso, mais de uma vez tentou, como ela poderia entender, como ela poderia viver assim, agora mais que nunca precisava de um sentido, precisava de ajuda, será possível que ninguém no mundo seria capaz de compreender seu modo de pensar, sua necessidade de não fazer parte de um mundo totalmente real, será que para sempre, somente histórias, desenhos e lugares imaginários seriam seus companheiros de alma, ninguém nunca penetraria tão fundo em suas defesas, em seus pensamentos, será que ela realmente era normal, fazia parte deste mundo tão estranho, tão defeituoso, ou será que o real defeito estava nela, nela por não conseguir viver sem seu mundo de sonhos, nela por se sentir à vontade num mundo surreal que ninguem realmente conhecia, ninguem realmente conseguiu entrar, será que era tão errado, tão louco, será que nada no mundo real traria para ela uma satisfação tão grande, um conforto tão completo para que sua própria vida se igualasse a seus devaneios tão mirabolantes que ela nem precisasse mais deles. um riso alto quebrou o silêncio, frio, sem nenhum humor, sarcástico, infeliz e de repente nada mais importava, a raiva que a pouco tornava difícil o raciocinio se foi, e veio o nada, o vazio.... agora ela sabia que seria sempre assim, sempre assim...