
Ela acordou ofegando, desesperada por causa de um sonho, um sonho terrível. Não poderia ser um pesadelo, de forma alguma, pois ele era terrivelmente glorioso, tão bom que vagava pelas fronteiras das sensações, ela estava exausta, percebeu lágrimas por seu rosto, provavelmente perdidas durante o sono perturbado, sua nuca e seus joelhos estavam molhadas de suor, causados pelo esforço inconsciente de passar ilesa por tais provações. Em quanto acalmava sua respiração começou a pensar no sonho, em seus detalhes mais banais...
Ela estava chegando em casa com seus pais, vindos de uma festa talvez, não sabia exatamente de onde. O portão da garagem abriu e junto com o carro entrou um homem de aparência horrível e suja, muito mal vestido: um mendigo. Usava um grande casaco marrom por cima de uma blusa de gola alta verde azulada, e uma toca da mesma cor, conservava uma barba suja e uma magresa anormal. Ele abordou a família de forma muito rude pelo vidro do carona, onde a mãe da menininha estava, e logo que falou Ela pôde sentir um cheiro forte de álcool e tabaco que a fez ficar tonta. A tensão era palpável, pegajosa, escorria pelas bordas do sonho e logo seus pais mandaram que ela saisse do carro e se trancasse em casa, pelo jeito aquilo era um pouco mais sério do que realmente parecia. Logo fez o que mandaram, prestou atenção ao sair do carro para que não batesse a porta nas madeiras enpilhadas perto da parede, era incrível como nos sonhos detalhes tão ridiculos se tornam relevantes, mesmo numa situação de terror. Ela saiu rapidamente, agarrando todas as suas coisas espalhadas no banco de traz do carro: uma fita vermelha e um lápis muito flexivel, verde água. Deu a volta no carro rumo ao portão que a levaria para a segurança de sua casa e foi ai que a verdadeira tensão começou, a partir deste momento nada mais importava, ela sabia que alguma coisa aconteceria, sabia que passar por aquele portão seria sua sentença de morte, sabia cm a certeza que só acontece em sonhos, e naqueles mais reais e cruéis. Atravessou o portal e assim que olhou escada a cima, prestando atenção no caminho que faria ela parou, seu corpo não sabia como reagir àquilo, era intenso, era perfeito e muito maligno, era um sonho. Um sorriso involuntário brotou em seu rosto antes que ela pudesse refrea-lo, e ao mesmo tempo tão repentinamente quanto o sorriso uma lágrima, ela avançou alguns degraus, estava a apenas alguns centimetros agora e... e foi ai que ela simplesmente parou de recordar, foi neste exato ponto que a maldade começava, e exatamente ai que ela preferiu mais uma vez se deixar levar para a segurança de sua inconsciência, sabendo que nada mais à afetaria depois desse terrível sonho maravilhoso...
Ilustração: Helô Paschon