
Enquanto olhava a lista de estações no alto da porta do trem sentia que começava a se arrepender de sua decisão, estava estranha, quase doente, era óbvio que sofreria com as consequências disso tudo. Antes mesmo de descer do trem seu coração já estava descompassado, ele não conseguia decidir se parava de bater ou se explodia no peito em velocidade vertiginosa, seu estômago estava embrulhado... deveriam ser as borboletas que insistiam em ficar ali, mas agora elas já não eram mais bem vindas }O trem parou{. Reconheceu sua reação de outra época, achou estranho que ela nunca à deixasse em paz. Assim que as portas se abriram ela suspirou alto, cega e surda ao que acontecia a sua volta, sentiu-se empurrada, e levada pela multidão a caminho da escada mais próxima, e foi ai que suas reações mudaram, de repente tudo ali fazia muito sentido, era claro como a água de uma nascente intocada, ela precisava daquilo, era essencial juntar os pequenos pedaços de suas lembranças tão recentes, tão perfeitas. Subiu a escada agora meio ansiosa, um pouco afobada e como num filme ela se viu ali, um clone, uma réplica, vindo da outra direção a certa distância, essa mudança de ângulo deu a estranha sensação de que ela agora era apenas uma espectadora, tal situação à fez parar, tudo a sua volta acontecia freneticamente,mas ela só podia ver a cena, e nada mais. Observou a si própria chegando, do outro lado da catraca, um pouco atrasada, meio envergonhada, suas roupas eram comuns e seu cabelo como sempre estava desalinhado. Antes mesmo de chegar ao local indicado já fazia esforço na ponta dos pés para poder olhar antecipadamente para ele. E como sempre, ele estava lá, encostado na mesma parede de sempre numa posição confortável, escutando suas músicas estranhas, sua expressão séria se dissolveu num sorriso lindo, cheio de furinhos e covinhas. Ela chegou mais perto, o turbilhão de sensações impediam seu cérebro de funcionar corretamente e assim que eles se beijaram tudo acabou, o casal que momentos antes embriagava todos os seus sentidos sumiu, como se nunca tivesse acontecido nada. Ela voltou ao presente, estava a alguns metros da escada, tudo isso se passou com tal velocidade que ela não sabia se havia imaginado tudo ou se foi privilegiada com lembranças tão incríveis, estava tonta. Continuou andando, para não ser atropelada em meio a tanta confusão e assim que alcançou o lugar exato de suas lembranças olhou para o lado, automaticamente, sem uma real objetivo, e por um segundo seu coração parou. Estava ali, naquela mesma parede, naquele mesmo lugar, mas a silhueta que ela via era de um estranho, de qualquer pessoa esperando por qualquer coisa, incapaz de adivinhar como o simples fato de estar ali tornou tudo mais doloroso, de como enganou aquela pequena menina, a tensão agora era muito densa, quase palpável, ela começava a sentir as consequências, cedo demais... mas resolveu guardar tudo isso, com carinho, num livro velho de lembranças especiais, no fundo de seu armário.