
"Eu estou aqui" disse a menininha. Ela estava abaixada atrás de um balanço vermelho, fazia formas com uma terra muito vermelha acumulada sob o brinquedo num retângulo quase perfeito que quebrava o verde esmeralda da grama bem tratada. Era um lugar de sonhos, tudo eram cores e formas vibrantes, maravilhosas, com exceção de um pequeno bosque a uns 50 metros de onde ela estava, por onde com certeza passava um pequeno riacho pedregoso. Era quase impossível de acreditar em tudo aquilo.
Um dia muito frio ia chegando ao fim, e a blusa vermelha da pequena na terra já não dava mais conta de aquecê-la, ela tremia. Sua aparência era muito delicada, mas de alguém que a muito não sorria, seu rostinho pequeno e muito branco hoje estava rosado, por causa do frio, seus olhos cor de mel, quase amarelos eram emoldurados por uma sobrancelha perfeita, muito escura e uma pintinha no canto direito do olho esquerdo. Seu cabelo era meio comprido, meio enrolado, meio preto e dançava meio solto naquela brisa gelada de um começo de noite, bagunçado. Ela era linda. Seus olhos atentos estavam focados numa caixinha de música aberta ao seu lado, era uma peça peculiar, prateada e impossivelmente pequena, seu interior era revestido de um veludo azul muito escuro, no espelho do lado de dentro da tampa ornamentada ela observava uma bailarina perolada girar ao som de uma música de notas finas. Ela sonhava. E num segundo, sem prévio aviso, a música, o vento e a bailarina pararam numa sincronia ensaiada tão perfeita que a tirou de seus devaneios. Guardou a bailarina, fechou a caixinha e com uma agilidade inesperada levantou e logo se sentou na balança... A corrente enferrujada fazia um barulho ao menor movimento, ela enroscou os braços ali e tornou a abrir a caixinha, agora sem música, não se preocupou em dar corda, apenas observou em silêncio seus ricos detalhes, viu refletido na superfície polida um olhar choroso, uma expressão melancólica e se surpreendeu em reconhecê-los como seus, começou a prestar verdadeira atenção e achou em sua testa rugas estranhas... Ela se sentia vazia. O vento voltou, mais forte agora, algumas folhas ficaram presas no seu cabelo embaraçado. Ela se levantou novamente, "Estou aqui", disse mais uma vez, com a esperança de que alguém respondesse... Mas ela estava completamente sozinha.
Ilustração Helo Paschon