domingo, 18 de outubro de 2009

Caixinha de música



"Eu estou aqui" disse a menininha. Ela estava abaixada atrás de um balanço vermelho, fazia formas com uma terra muito vermelha acumulada sob o brinquedo num retângulo quase perfeito que quebrava o verde esmeralda da grama bem tratada. Era um lugar de sonhos, tudo eram cores e formas vibrantes, maravilhosas, com exceção de um pequeno bosque a uns 50 metros de onde ela estava, por onde com certeza passava um pequeno riacho pedregoso. Era quase impossível de acreditar em tudo aquilo.
Um dia muito frio ia chegando ao fim, e a blusa vermelha da pequena na terra já não dava mais conta de aquecê-la, ela tremia. Sua aparência era muito delicada, mas de alguém que a muito não sorria, seu rostinho pequeno e muito branco hoje estava rosado, por causa do frio, seus olhos cor de mel, quase amarelos eram emoldurados por uma sobrancelha perfeita, muito escura e uma pintinha no canto direito do olho esquerdo. Seu cabelo era meio comprido, meio enrolado, meio preto e dançava meio solto naquela brisa gelada de um começo de noite, bagunçado. Ela era linda. Seus olhos atentos estavam focados numa caixinha de música aberta ao seu lado, era uma peça peculiar, prateada e impossivelmente pequena, seu interior era revestido de um veludo azul muito escuro, no espelho do lado de dentro da tampa ornamentada ela observava uma bailarina perolada girar ao som de uma música de notas finas. Ela sonhava. E num segundo, sem prévio aviso, a música, o vento e a bailarina pararam numa sincronia ensaiada tão perfeita que a tirou de seus devaneios. Guardou a bailarina, fechou a caixinha e com uma agilidade inesperada levantou e logo se sentou na balança... A corrente enferrujada fazia um barulho ao menor movimento, ela enroscou os braços ali e tornou a abrir a caixinha, agora sem música, não se preocupou em dar corda, apenas observou em silêncio seus ricos detalhes, viu refletido na superfície polida um olhar choroso, uma expressão melancólica e se surpreendeu em reconhecê-los como seus, começou a prestar verdadeira atenção e achou em sua testa rugas estranhas... Ela se sentia vazia. O vento voltou, mais forte agora, algumas folhas ficaram presas no seu cabelo embaraçado. Ela se levantou novamente, "Estou aqui", disse mais uma vez, com a esperança de que alguém respondesse... Mas ela estava completamente sozinha.

Ilustração Helo Paschon

domingo, 4 de outubro de 2009

NA-FÚRIA

Era uma vez duas bailarinas que moravam em reinos opostos, Daiana e Pactrícia. Daiana era autêntica e criativa , mas não era muito confiante o que à tornava a mais humilde das jovens do seu reino. A outra, Pactrícia sabia do seu talento, era posuda, arrogante não se importava com o que tivesse que fazer para chegar a fama. Chegou o dia que um baile foi marcado num palácio distante, um espetáculo que, sem elas saberem seria assistido por 3 sábios dançarinos, e eles deveriam escolher a melhor e mais completa.
Elas escolheram suas danças e ensaiaram com toda a dedicação do mundo. Daiana, sempre menos confiante, se desesperou, chorou, fez coisas horríveis, entrou em desespero, mas ainda assim antes do baile preparou sua mais linda roupa, feita por ela mesma, separou seu par de sapatilhas mais especial e foi ao encontro. Pactrícia, certa de si como era, ensaiou, ensaiou até garantir que sua dança estivesse segura e limpa, escolheu uma roupa qualquer, um pouco velha, meio puída, sua sapatilha de ensaio e assim como Daiana, saiu.
O ambiente do pálacio estava hostíl, as duas se olhavam como se fossem se fuzilar. Elas se apresentaram e os sábios decidiram que Pactrícia merecia mais o prêmio de melhor bailarina.
A princípio Daiana ficou arrasada, mas depois entendeu que só ela poderia mudar isso e que começar pela atitude. Ela ensaiou com mais afinco e dedicação que nunca, se tornou um pouco mais paciente, estudou sua dança, aprimorou.
Um novo evento foi marcado, em outro palácio e neste não averia competição nem julgamentos, o único objetivo era mostrar a dança para um vasto público de nobres do tal reino. Pactrícia dançou primeiro e, para surpresa de Daiana, ela havia copiado sua dança descaradamente. Surpreendentemente, Daiana ao invéz de se desesperar achou graça primeiro, com a falta de vergonha de Pactrícia e em seguida ficou furiosa, uma furia tão imensa, descomunal que fez com que ela dançasse lindamente, com muita emoção aquela que era sua dança e quando saiu do grande salão, se vestiu em silêncio, meditou e entendeu o que faltava para sua dança, descobriu como chegar ao mais alto nível e sentiu pena de Pactrícia, vergonha, por descobrir a mediocridade de sua dança. Valorizou mais e mais sua própria tutora, por lhe ensinar a ser autêntica, original e nunca temer um oponente!

Moral da História, não copie, é xibungo!

sábado, 3 de outubro de 2009

in memoriam

Meu nome é Julieta Capuleto Paschon e eu sou a maior figurinista do mundo, já desenhei mais de mil roupas e com cada uma delas atingi o coração de alguém. Meu vovô, o maior anjo do mundo e o mais forte dos homens que passaram por aqui me deixou hoje. Me deixou, sim, mas de presente ele me deu a maior infância do mundo e as maiores lembranças. Foi com ele que aprendi a pescar, a assistir Chaves e Chapolin, a comer banana ouro, a colher café. Com aquele canivete em formato de navalha e cabo de imitação de madeira que ele carregava no bolso de trás da calça ele descascava frutas para mim. O barulho do Raider arrastando no chão, ou da botina batendo na terra, anunciava sua chegada onde quer que estivesse. Ele gostava de pão e de dormir na rede depois do almoço e ninguém escolhia nomes para cachorro como ele, eram únicos. O sorriso mais sincero e emocionante e cativante que lembro de ter ganhado de alguém, foi da boca dele que saiu, quando já estava caminhando para o fim, e hoje que o fim chegou eu achei que estava preparada, mas nada pode preparar alguém para isso.
Se você estiver prestando atenção em mim agora, de onde você estiver Faustino Paschon...{e eu sei que está} eu te amo... E te amo!